sexta-feira, 20 de maio de 2011

Cultura da Inovação

Saber lidar com o erro, ter uma política de reconhecimento e investir em capacitação e gestão do conhecimento são algumas das características de empresas 

Sempre que inicia uma palestra ou aula, Ingrid Paola Stoeckicht pergunta aos participantes quem considera inovação como algo estratégico para a competitividade e sustentabilidade nos negócios. "Todos levantam a mão, o que não nos surpreende", diz a professora convidada pela Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ) para ministrar as disciplinas de gestão da inovação e gestão do conhecimento nos MBAs de Gestão Empresarial, Gestão de Pessoas, Gestão Estratégica de Negócios e Desenvolvimento de Lideranças. Depois, ela questiona quantas das empresas ali representadas colocaram a inovação em suas agendas estratégicas. "Se uma ou duas pessoas sinalizam que sim, já é muito." A última pergunta é quantas daquelas pessoas compreendem a dinâmica dos processos da inovação em suas organizações. "Nesse momento, ocorre um silêncio absoluto."
Para Ingrid, que também é fundadora e diretora executiva do Instituto Nacional de Empreendedorismo e Inovação (Inei), essa cena retrata uma triste realidade dentro de nossas organizações: há muito discurso sobre a importância da inovação, mas poucas ações concretas são realizadas para promovê-la. "Isso se deve, principalmente, à falta de conhecimento sobre como identificar, captar e desenvolver os recursos humanos, financeiros e tecnológicos necessários para a inovação", observa.
Nos últimos dois anos, Ingrid participou de um grupo de pesquisadores que avaliaram de que forma empresas dos mais diversos setores promovem o desenvolvimento de sua capacidade inovadora por meio de modelos e rotinas organizacionais adotados na gestão de seus recursos intelectuais, financeiros, tecnológicos e humanos. Foram estudadas 26 empresas, desde 2006, dos setores público e privado, de diversos portes e que atuam em setores variados.
A partir do estudo, foi possível perceber que 88% delas indicaram que o papel das lideranças e os sistemas de avaliação de desempenho, reconhecimento e promoção adotados atuam como fatores restritivos à inovação nas organizações. Outro desafio encontrado por 82% refere-se à capacidade de reter os funcionários que detêm conhecimento estratégico para o negócio. Além disso, 76% não mapeiam adequadamente quais são os conhecimentos e competências essenciais para a sustentabilidade do negócio no presente e no futuro.
Outros fatores restritivos identificados, compartilhados pela maioria das empresas estudadas, indicam que estas não capacitam as pessoas adequadamente para que se tornem mais empreendedoras e inovadoras; não concedem autonomia para que os colaboradores atuem de forma proativa na identificação de problemas e no desenvolvimento de soluções inovadoras; não possuem uma cultura organizacional que propicie a inovação; e não têm um sistema que possa identificar e avaliar idéias e desenvolver projetos inovadores de funcionários e colaboradores. 
"Sem dúvida, trata-se de um pequeno contingente de empresas analisadas, porém, se pensarmos um pouco mais a fundo, vamos verificar que, provavelmente, vários dos fatores restritivos identificados no estudo também assombram a organização na qual trabalhamos", comenta Ingrid. Esse levantamento parece indicar que os principais fatores restritivos à inovação nas organizações estão fortemente correlacionados aos modelos de gestão adotados, a saber, às práticas de gestão de pessoas, processos e recursos organizacionais. 

Não é a única saída


O tema inovação vem ganhando destaque na mídia e em várias discussões nas esferas públicas e privadas, nos meios acadêmicos e empresariais. Esse crescente interesse revela que se trata de uma ferramenta estratégica para a competitividade em empresas e instituições de qualquer porte e que atuam em qualquer setor. Mas como criar uma cultura de inovação na empresa?

Esse é um dos principais desafios que uma organização pode enfrentar, pois lida com o desenvolvimento sistemático de estruturas organizacionais adequadas, políticas e práticas de comunicação, sistemas de reconhecimento e remuneração, políticas de capacitação, sistemas de controle financeiro e de desempenho e a forma como as estratégias organizacionais são postas em prática. "Uma empresa inovadora deve contar não somente com uma estratégia, estrutura, sistemas operacionais e cultura voltados para a inovação, mas, fundamentalmente, com um estilo de liderança que apóie a inovação", conta Ingrid.

Quem também destaca o papel da liderança é o professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral (FDC) nas áreas de gestão do conhecimento, gestão da inovação e gestão estratégica da informação Rivadávia Alvarenga. Antes, porém, de ressaltar o trabalho dos líderes, ele cita o conceito de ba, introduzido há pouco mais de 10 anos no mundo da gestão do conhecimento por Ikujiro Nonaka e Noburo Nonno. Trata-se, numa visão resumida, do espaço apropriado ou mais adequado de criação e compartilhamento de conhecimento, graças a uma rede de interação ou de relacionamentos. "É esse ambiente o mais desejado pelo trabalhador do conhecimento - essa pessoa que não abre mão de autonomia, que possui independência intelectual, e é mais crítico", conta o professor.

E o papel dos principais líderes na criação desse espaço, desse ambiente, é fundamental. Na verdade, todo processo de formação de uma cultura de inovação deve ter um sponsor de peso - o que ajuda a evitar um fato que Alvarenga diz acontecer com freqüência: a matança da inovação por muitos gestores no dia-a-dia. "Oferecer um espaço para a inovação não é um processo fácil ou rápido, mas vale a pena", acrescenta Alvarenga. E que exige uma mudança cultural na empresa e em cada um dos colaboradores.
E agora vem outra questão: e como mudar a cabeça das pessoas? Em primeiro lugar, é preciso saber que elas são diferentes. Algumas são mais estimuladoras e outras são mais reativas ou tendem a seguir outras. Mas em meio a essa diversidade, é preciso encontrar ao menos quatro tipos numa organização, como descreve o consultor da Boog & Associados, Gustavo Boog: o rei; o guerreiro; o mago; e o amante.
O primeiro é o visionário, aquele que estimula essa abertura ao novo - solta a idéia, mas não a executa. Já o segundo, o guerreiro, é o grande aliado dos reis e tira a mudança do papel. Os magos seriam os grandes organizadores que estruturam esse processo para que ele se torne contínuo. Finalmente, mas não menos importante, vêm amantes, que possuem um foco mais humano, atuando sobretudo nos campos da motivação e capacitação, fatores que também sustentarão o processo de mudança - ou de inovação.
Para Boog, todos esses atores, ou gestores, devem receber o suporte de RH no processo de construção de uma cultura de inovação. A área de gestão de pessoas necessita, assim, ser um dos condutores desse processo - se estiver alinhado à estratégia, diga-se. "Ela tem o dever de olhar para a frente e ajudar a levar a empresa para o futuro", acrescenta Boog. "No entanto, vemos um RH mais a reboque nesse processo, com um papel mais burocrático", lamenta o consultor.

Erro, logo existo


Quando se fala em cultura, não se pode esquecer de tratar de um sistema de valores que a sustentam. E quais são esses valores, quando se fala em inovação? Eles estão ligados a aspectos sobre como saber assumir riscos. "Fazem parte do sustentáculo da inovação", reforça Jean Pierre Marras, consultor, professor e autor, entre outros, do livro Gestão de Pessoas em Empresas Inovadoras (Editora Futura). É um grande desafio ter um valor como esse num mundo em que o erro é visto, ainda, com um olhar um tanto torto. " Se cometo um erro, posso ser execrado em praça pública e ainda perco parte do bônus", brinca, mas de forma séria, o professor. "Isso tem de ser mudado, caso contrário serão inibidas a inovação e a criatividade."

Ou seja, o gestor deve ter um papel motivador grande. Mas como fazer isso da melhor maneira possível? Numa abordagem psicológica, Luiz Fernando Garcia, consultor e diretor da Render Capacitação, explica que uma ação humana se dá, de acordo com uma análise comportamental, em função da pressão de estímulos do meio em que o indivíduo vive. Assim, um estímulo primeiro, ou antecedente, provoca uma resposta que é reforçada por outro estímulo - que pode ser positivo ou negativo. Para ilustrar: imagine que uma criança coloque algum objeto no lugar certo e vê seu pai sorrir por isso. Essa manifestação de alegria paterna é o reforço positivo para que a criança repita o gesto. Agora, imagine que ela vai colocar o objeto em local inapropriado e o pai faz uma careta ameaçadora. Trata-se de um estímulo negativo para se obter a resposta (ação) anterior da criança. Isso acontece nas empresas: ou se trabalha para ganhar um bônus (estímulo positivo), por exemplo, ou para não perdê-lo (estímulo negativo). E quando se fala em cultura de inovação, Garcia diz que o RH precisa criar um sistema de reforço positivo na empresa. Nesse aspecto, ele acredita que o RH deva reforçar a presença de uma política de reconhecimento eficaz.
"As pessoas, no fundo, querem se sentir valorizadas, querem ser bem tratadas - e não exploradas", reforça Marras. Assim, uma forma de reconhecer uma participação num processo de inovação é dar ou criar oportunidade de crescimento - tanto pessoal quanto profissionalmente. Aliás, as empresas inovadoras são as que mais se preocupam com a capacitação de seus colaboradores, de acordo com um levantamento feito por Marras e que deu origem ao seu livro.
Transpiração

Ingrid, da FGV-RJ, destaca outro papel da área de RH: auxiliar os gestores e colaboradores a desenvolver uma compreensão sobre a importância de inovar e de como podem contribuir com seu conhecimento. "Com as áreas de marketing, planejamento e TI, o RH pode desenvolver ações em gestão do conhecimento para que a empresa possa fortalecer sua capacidade de aprendizagem organizacional, de forma a não somente gerir o conhecimento dentro da organização, mas gerar novos conhecimentos que possam se converter em inovações", diz. Ainda de acordo com a professora, sob essa perspectiva da gestão do conhecimento, pode-se dizer que sem ações em gestão do conhecimento bem estruturadas, a orga­nização terá dificuldade em gerir adequadamente seus recursos do conhecimento para inovar.

Na construção de uma cultura de inovação numa empresa, é importante ressaltar que não existe uma fórmula pronta ou
única para isso. Como lembra a professora Ingrid, a inovação é contingencial e seus processos irão variar de acordo com o setor no qual a organização atua, seu campo de conhecimento, seu tamanho e porte, estratégia organizacional, tipo de inovação, estágio de amadurecimento e cenários históricos, econômicos, políticos e sociais. 
O certo é que inovação é 10% inspiração e 90% transpiração. "Nesse cenário, a área de recusrsos humanos é um agente precioso de mudança organizacional e deverá contribuir ativamente no desenvolvimento da competência da inovação da organização. É trabalhoso? Certamente, mas é altamente compensador", finaliza Ingrid.

Lição de Casa


O que cabe ao RH numa cultura de inovação, segundo a professora Ingrid Stoeckicht:



  • Promover seminários de sensibilização e cursos em gestão da inovação e do conhecimento, não somente para as lideranças, mas para todos os funcionários;
  • Criar novas formas de reconhecimento (não necessariamente financeiras, para incentivar os colaboradores a contribuir com seu potencial criativo);
  • Desenvolver modelos de trabalho para incentivar a troca de conhecimento e experiência entre colaboradores diretos e indiretos e demais stakeholders;
  • Auxiliar os gestores a identificar quais as competências organizacionais e profissionais necessárias para a inovação, específicas ao negócio da empresa, e oferecer programas de capacitação que desenvolvam essas competências ;
  • Identificar, mapear e acompanhar quais são os conhecimentos críticos e as competências essenciais necessárias ao sucesso de seu negócio no futuro para que possa atrair, selecionar, desenvolver e reter pessoas condizentes com essas habilidades;
  • Recrutar e selecionar pessoas avaliando o comportamento inovador e empreendedor, a capacidade de se arriscar e experimentar;

Reportagem  disponivel em: http://revistamelhor.uol.com.br

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